terça-feira, 8 de maio de 2012

Autor do mês de Maio: Natália Correia


Quem sou eu? – Natália Correia
(S. Miguel -1923; Lisboa - 1993)
(Autobiografia inventada)



Autorretrato
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

        Quando eu morrer quero ser recordada pelo que escrevi. Não sei se foi por ter nascido em Ponta Delgada (Fajã de Baixo), sempre vi Portugal como uma manta de retalhos e a sensação de um íntimo isolamento de alguém que nasceu numa ilha havia de me acompanhar para sempre. Esse isolamento criou em mim um espírito livre que me havia de levar ao confronto ideológico e à defesa dos meus ideais.
Aos onze anos cheguei à capital e estudei no Liceu Filipa de Lencastre. Tempos difíceis que marcariam toda a minha vida: o estado novo estava no auge da sua influência e a censura descaradamente entrava em todos os lugares. Assim, ainda no liceu, envolvi-me em formas de contestação típicas da juventude. Mais ou menos irreverentes, mais ou menos espontâneas. Mais tarde, em 1945, tomei parte ativa nos movimentos de oposição ao regime ditatorial, tendo participado no MUD (Movimento de Unidade Democrática), no apoio às candidaturas para a Presidência da República do general Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958) e na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, 1969). Entretanto, a leitura e a necessidade de escrever já se tinham entranhado em mim; fui, por isso, condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, considerada ofensiva dos bons costumes, em 1966. Comecei por escrever literatura infantil (A Grande Aventura de um Pequeno Herói, 1945) e pelo romance (Anoiteceu no Bairro, 1946), mas foi na poesia que encontrei a expressão mais natural e que sempre me possibilitou a intervenção social que queria ter.
Fundei o bar Botequim, em 1971, com Isabel Meireles, Júlia Marenha e Helena Roseta. Era ali que, durante as décadas de 70 e 80, se reunia grande parte da intelectualidade portuguesa. Fui amiga de António Sérgio, David Mourão-Ferreira, Mário Soares, José-Augusto França, Luiz Pacheco, Almada Negreiros, Ary dos Santos. Convivi e recebi em casa homens de letras como Henry Miller, Graham Greene e Eugène Ionesco.
Sentimentalmente destacam-se os meus três casamentos, mas apenas ao último fui verdadeira.
Em 1979 fui eleita como deputada à Assembleia da República pelo Partido Popular Democrático (PPD) e aí desenvolvi intensa atividade em prol da defesa dos direitos humanos e, em particular, dos direitos da mulher, até ao ano de 91.
O sentido da minha vida fez-se FAZENDO.
- Mulher forte, irreverente, contraditória - e de beleza extraordinária. Com intensa versatilidade, dedicou-se a vários géneros literários. Natália Correia sempre se recusou a ser uma figura decorativa, peça que entrava e saía do palco segundo as regras da compostura.
- “Uma mulher imperial”  - Clara Ferreira Alves.







Obra

  • Grandes Aventuras de um Pequeno Herói (romance infantil), 1945 
  • Anoiteceu no Bairro (romance), 1946 ; 2004
  • Rio de Nuvens (poesia), 1947
  • Descobri Que Era Europeia: impressões duma viagem à América (viagens), 1951 ; 2002
  • Sucubina ou a Teoria do Chapéu (teatro) 1952
  • Poemas (poesia), 1955
  • Dimensão Encontrada (poesia), 1957
  • O Progresso de Édipo (poema dramático), 1957
  • Passaporte (poesia), 1958
  • Poesia de Arte e Realismo Poético (ensaio), 1959
  • Comunicação (poema dramático), 1959
  • Cântico do País Emerso (poesia), 1961
  • A Questão Académica de 1907 (ensaio), 1962
  • Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica: dos cancioneiros medievais à atualidade (Antologia), 1965 ; 2000
  • O Homúnculo, tragédia jocosa (teatro), 1965
  • Mátria (Poesia), 1967
  • A Madona (Romance), 1968 ; 2000
  • O Encoberto (Teatro), 1969 ; 1977
  • O Vinho e a Lira (Poesia), 1969
  • Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses (Antologia), 1970 ; 1998
  • As Maçãs de Orestes (Poesia), 1970
  • Trovas de D. Dinis, [Trobas d'el Rey D. Denis] (Poesia), 1970
  • A Mosca Iluminada (Poesia), 1972
  • O Surrealismo na Poesia Portuguesa (Antologia), 1973 ; 2002
  • A Mulher, antologia poética (Antologia), 1973
  • O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro (Poesia), 1973
  • Uma Estátua para Herodes (Ensaio), 1974
  • Poemas a Rebate, (poemas censurados) (poesia), 1975
  • Epístola aos Iamitas (poesia), 1976
  • Não Percas a Rosa. Diário e algo mais (Diário), 1978 ; 2003
  • O Dilúvio e a Pomba (poesia), 1979
  • Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente (teatro), 1981; 1991
  • Antologia de Poesia do Período Barroco (antologia), 1982
  • Notas para uma Introdução às Cantigas de Escárnio e de Maldizer Galego-Portuguesas (ensaio), 1982
  • A Ilha de Sam Nunca: atlantismo e insularidade na poesia de António de Sousa (antologia), 1982
  • A Ilha de Circe (romance), 1983 ; 2001
  • A Pécora, peça escrita em 1967 (teatro), 1983 ; 1990
  • O Armistício (poesia), 1985
  • Onde está o Menino Jesus? (contos), 1987
  • Somos Todos Hispanos (ensaio), 1988 ; 2003
  • Sonetos Românticos (poesia), 1990 ; 1991
  • As Núpcias (romance), 1992
  • O Sol nas Noites e o Luar nos Dias (poesia completa), 1993 ; 2000
  • Memória da Sombra, versos para esculturas de António Matos (poesia), 1993
  • D. João e Julieta, peça escrita em 1959 (teatro), 1999
  • A Ibericidade na Dramaturgia Portuguesa (ensaio), 2000
  • Breve História da Mulher e outros escritos (antologia de textos de imprensa), 2003
  • A Estrela de Cada Um (antologia de textos de imprensa), 2004

quarta-feira, 14 de março de 2012

Dia da Mulher - 8 de Março de 2012

Comemoração do Dia da Mulher 2012 - 8 de Março






FRANCISCO MOITA FLORES NA NOSSA SEMANA DA LEITURA

 Agradecemos a presença de Francisco Moita Flores na nossa escola, no dia 9 de Março, no âmbito da Semana da Leitura... Ouvimos atentamente a sua prelecção. 


terça-feira, 13 de março de 2012

Autor do Mês de Março: Francisco Moita Flores

Quem sou eu? – Francisco Moita Flores

(1953...)

(Autobiografia inventada)


        Desde que me recordo de ser gente que gosto de observar tudo o que me rodeia, especialmente de observar a vida e toda a energia que ela tem.
        Venho de uma família pobre de camponeses. Vivíamos num monte, na estrada que vai de Moura para Barrancos e para a Amareleja. Cedo aprendi a gostar de ler e lia por causa das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. Trouxe do Alentejo um sentido de liberdade muito grande. A minha escola tinha o maior recreio do mundo. Quando saíamos da aula tínhamos o monte à nossa frente, um ribeiro ao lado, laranjais, caminhos enormes. Esse sentimento de liberdade, que era demorado, que não tinha automóveis, que não tinha medos, ficou-me como uma marca distintiva. Essa fome de liberdade. A minha juventude foi marcada pelos estudos (estudei em Moura até aos quinze anos. Depois, Beja.) e pelo 25 de Abril. Tinha vinte e dois anos e muitos sonhos. Vivia em Lisboa, onde concluí o bacharelato em Biologia, já em 1975. Neste ano tive uma breve, mas intensa, experiência no ensino secundário. Esta promissora carreira foi interrompida para abraçar uma outra, a da polícia e o mundo da investigação. Sempre gostei de investigar, de questionar, de mexer as águas. Entrei, assim para a Polícia Judiciária e pertenci a brigadas de furto qualificado, assalto à mão armada e homicídios, onde permaneci até 1990. Contactei de perto com a criminalidade violenta e vi quanto a vida, às vezes, se aproxima terminalmente da morte. Dediquei-me novamente ao ensino, mas em 92, estava novamente na polícia para proceder a estudos e avaliações do movimento criminal. Era um trabalho mais de assessoria e secretaria, que me proporcionou um conhecimento mais aprofundado do fenómeno policial e da própria criminalidade. Este ambiente, mais calmo, permitiu estudar, mais e sempre. Assim, licenciei-me em História, e doutorei-me pelo Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Depois, fiz Sociologia, especializando-me em Sociologia Urbana, e mais tarde em Criminologia no Instituto de Criminologia da Lausanne e depois na Sorbonne, onde acabei por lecionar.
        Entretanto e simultaneamente, o gosto pela leitura e pelos livros levaram-me, quase num imperativo, numa obrigação, à escrita. Gosto de o fazer com paixão e o que escrevo resulta essencialmente de dois fatores – da vida vivida e da vida dos livros que li e estudei. Por isso, tenho escrito um pouco de tudo: ensaios, crónicas, romances, guiões para filmes. Já agora, participei no programa televisivo Casos de Polícia, programa que teve (penso) o mérito de aproximar a vida dos polícias e da investigação policial da vida do comum das pessoas. Daqui até a vida pública ativa foi um passo. Aceitei o apoio de muitas pessoas que me encorajaram a dar a cara e a contribuir pelo bem comum. Por isso, como independente integrei as listas de candidatos às autarquias. Assim, de um dia para o outro vi-me à frente da cidade de Santarém, trabalho que exerço com espírito e a dedicação que sempre tive em tudo.
        Atualmente e além do trabalho na autarquia de Santarém, dedico-me ao que mais gosto, ao que me dá mais prazer – o fazer dos livros.
Tenho aqui algo que gostaria de dizer: “Às vezes, quando me deparo com pessoas belicosas, sobretudo as mais jovens, não há paciência... porque... a morte cheira mal, sabem? Os cadáveres cheiram mal. O que nos afasta da morte é o caminho que nos pode dar felicidade e permite que a gente se encontre de uma forma amistosa. (…) Aprendi uma coisa decisiva: não podemos perder um minuto da nossa vida, porque tudo é rápido e efémero. Devemos tentar fazer que a vida seja um minuto de construção de coisas que agradem aos outros e a nós também. A nossa relação com quem nos rodeia tem de ser pautada por aquilo que a morte nos tira: o toque com o outro, o corpo. A relação com o corpo. Morrer não é fechar os olhos e parar o coração. Morrer é a ausência do abraço e das palavras. Isso é que é morrer.”


OBRA:

Guiões
Obras literárias
Ensaios

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012