Quem sou eu? – Natália Correia
(S. Miguel -1923; Lisboa - 1993)
(Autobiografia inventada)
Autorretrato
Espáduas
brancas palpitantes:
asas
no exílio dum corpo.
Os
braços calhas cintilantes
para
o comboio da alma.
E
os olhos emigrantes
no
navio da pálpebra
encalhado
em renúncia ou cobardia.
Por
vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme
a noite. Conforme o dia.
Molusco.
Esponja
embebida
num filtro de magia.
Aranha
de ouro
presa
na teia dos seus ardis.
E
aos pés um coração de louça
quebrado
em jogos infantis.
Quando eu morrer quero ser recordada
pelo que escrevi. Não sei se foi por ter nascido em Ponta Delgada (Fajã de
Baixo), sempre vi Portugal como uma manta de retalhos e a sensação de um íntimo
isolamento de alguém que nasceu numa ilha havia de me acompanhar para sempre. Esse
isolamento criou em mim um espírito livre que me havia de levar ao confronto
ideológico e à defesa dos meus ideais.
Aos onze anos cheguei à capital e
estudei no Liceu Filipa de Lencastre. Tempos difíceis que marcariam toda a
minha vida: o estado novo estava no auge da sua influência e a censura descaradamente
entrava em todos os lugares. Assim, ainda no liceu, envolvi-me em formas de
contestação típicas da juventude. Mais ou menos irreverentes, mais ou menos
espontâneas. Mais tarde, em 1945, tomei
parte ativa nos movimentos de oposição ao regime ditatorial, tendo participado
no MUD (Movimento de Unidade Democrática), no apoio às candidaturas para a
Presidência da República do general Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958) e na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade
Democrática, 1969). Entretanto, a leitura e a necessidade de escrever já se
tinham entranhado em mim; fui, por isso, condenada a três anos de prisão, com
pena suspensa, pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e
Satírica, considerada ofensiva dos bons
costumes, em 1966. Comecei por escrever literatura infantil (A Grande Aventura de um Pequeno Herói, 1945)
e pelo romance (Anoiteceu no Bairro, 1946), mas foi na poesia que encontrei a
expressão mais natural e que sempre me possibilitou a intervenção social que
queria ter.
Fundei o bar Botequim, em 1971, com Isabel Meireles,
Júlia Marenha e Helena Roseta. Era ali que, durante as décadas de 70 e 80, se
reunia grande parte da intelectualidade portuguesa. Fui amiga de António
Sérgio, David Mourão-Ferreira, Mário Soares, José-Augusto França, Luiz Pacheco,
Almada Negreiros, Ary dos Santos. Convivi e recebi em casa homens de letras como
Henry Miller, Graham Greene e Eugène Ionesco.
Sentimentalmente destacam-se os meus três casamentos,
mas apenas ao último fui verdadeira.
Em 1979 fui eleita como
deputada à Assembleia da República pelo Partido Popular Democrático (PPD) e aí
desenvolvi intensa atividade em prol da defesa dos direitos humanos e, em
particular, dos direitos da mulher, até ao ano de 91.
O sentido da minha vida
fez-se FAZENDO.
- Mulher forte, irreverente,
contraditória - e de beleza extraordinária. Com intensa versatilidade,
dedicou-se a vários géneros literários. Natália Correia sempre se recusou a ser
uma figura decorativa, peça que entrava e saía do palco segundo as regras da
compostura.
- “Uma
mulher imperial” - Clara Ferreira Alves.
Obra
- Grandes Aventuras de um Pequeno Herói (romance infantil), 1945
- Anoiteceu no Bairro (romance), 1946 ; 2004
- Rio de Nuvens (poesia), 1947
- Descobri Que Era Europeia:
impressões duma viagem à América (viagens), 1951 ; 2002
- Sucubina ou a Teoria do Chapéu (teatro) 1952
- Poemas (poesia), 1955
- Dimensão Encontrada (poesia), 1957
- O Progresso de Édipo (poema dramático), 1957
- Passaporte (poesia), 1958
- Poesia de Arte e Realismo
Poético
(ensaio), 1959
- Comunicação (poema dramático), 1959
- Cântico do País Emerso (poesia), 1961
- A Questão Académica de 1907 (ensaio), 1962
- Antologia de Poesia Portuguesa
Erótica e Satírica: dos cancioneiros medievais à atualidade (Antologia), 1965 ; 2000
- O Homúnculo, tragédia jocosa (teatro),
1965
- Mátria (Poesia), 1967
- A Madona (Romance), 1968 ; 2000
- O Encoberto (Teatro), 1969 ; 1977
- O Vinho e a Lira (Poesia), 1969
- Cantares dos Trovadores
Galego-Portugueses
(Antologia), 1970 ; 1998
- As Maçãs de Orestes (Poesia), 1970
- Trovas de D. Dinis, [Trobas
d'el Rey D. Denis]
(Poesia), 1970
- A Mosca Iluminada (Poesia), 1972
- O Surrealismo na Poesia
Portuguesa
(Antologia), 1973 ; 2002
- A Mulher, antologia poética (Antologia), 1973
- O Anjo do Ocidente à Entrada do
Ferro
(Poesia), 1973
- Uma Estátua para Herodes (Ensaio), 1974
- Poemas a Rebate, (poemas censurados) (poesia),
1975
- Epístola aos Iamitas (poesia), 1976
- Não Percas a Rosa. Diário e
algo mais
(Diário), 1978 ; 2003
- O Dilúvio e a Pomba (poesia), 1979
- Erros Meus, Má Fortuna, Amor
Ardente
(teatro), 1981; 1991
- Antologia de Poesia do Período
Barroco
(antologia), 1982
- Notas para uma Introdução às
Cantigas de Escárnio e de Maldizer Galego-Portuguesas (ensaio), 1982
- A Ilha de Sam Nunca: atlantismo
e insularidade na poesia de António de Sousa (antologia), 1982
- A Ilha de Circe (romance), 1983 ; 2001
- A Pécora, peça escrita em 1967
(teatro), 1983 ; 1990
- O Armistício (poesia), 1985
- Onde está o Menino Jesus? (contos), 1987
- Somos Todos Hispanos (ensaio), 1988 ; 2003
- Sonetos Românticos (poesia), 1990 ; 1991
- As Núpcias (romance), 1992
- O Sol nas Noites e o Luar nos
Dias
(poesia completa), 1993 ; 2000
- Memória da Sombra, versos para esculturas de
António Matos (poesia), 1993
- D. João e Julieta, peça escrita em 1959
(teatro), 1999
- A Ibericidade na Dramaturgia
Portuguesa
(ensaio), 2000
- Breve História da Mulher e
outros escritos
(antologia de textos de imprensa), 2003
- A Estrela de Cada Um (antologia de textos de
imprensa), 2004
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